quarta-feira, novembro 05, 2008

Emprego garantido pelo Estado a todo brasileiro - Edição nº 31

Conheça a receita de um milagre possível
Por Eduardo Vergara
Editor da revista Ciência, Cultura e Saúde em Primeira Página
Gestor Interino do Nagesp - Núcleo Acadêmico de Gestão Pública - vergara.nagesp@gmail.com
Presidente do IBIT - vergara@ibit.org.br

A utopia realista de Minsky, um dos mais revolucionários economistas da história, aponta aos comuns uma luz no fim do túnel para dar a mínima condição de sobrevivência a todo brasileiro. Com a sua receita fez surgir o caminho para uma das mais relevantes teorias sobre emprego, formação técnica, fomento do poder de consumo e a conseqüente mega-propulsão para a economia como um todo.

À margem das críticas sobre as políticas assistencialistas governamentais evidenciadas na administração petista de Lula, não há como negar a força econômica que projetos como a bolsa família, o programa de alimentação escolar e, também, do trabalhador, sem considerar quaisquer de seus objetivos políticos, geraram nas classes sociais mais baixas. Há a indicação de que a maior parte dessas ações foi baseada em processos empíricos, na base da experiência pessoal e da intuição, que acabaram injetando uma enorme quantidade de dinheiro na economia e, sem dúvida, melhorando o país como um todo. Mas também, há uma teoria econômica descolada e irreverente, cultivada na mente de um dos mais brilhantes cientistas econômicos, Hyman Minky, que consolida a injeção de recursos nas camadas mais pobres, como um instrumento econômico extremamente eficaz para a estabilização de uma nação em momentos de crise. O conceito parece cair como uma luva para Lula por se encaixar perfeitamente ao modelo populista do PT, ao mesmo tempo em que se baseia em plataformas econômicas fortes e inteligentes.

O conceito

Minsky e as suas idéias voltaram à tona após a deflagração da crise epidêmica do crédito que se iniciou nos EUA e contaminou o mundo. A teoria dele foi lembrada porque considerava que as políticas emergenciais adotadas pelos governos em épocas de crise seriam insuficientes para cobrir o bolsão de miséria ligado ao desemprego involuntário, tendo efeito curativo apenas temporário. A estranha colocação "desemprego involuntário", que pouco ou nada ouvimos falar por aqui, foi o conceito original que baseou todo o estudo de Minsky, que faleceu em 1996. A sua teoria vislumbrou que a política governamental eficiente para estimular a produção e seus efeitos positivos, seria a “Garantia Universal de Emprego Remunerado pelo Estado”. O ressurgimento do conceito estimulou vários pesquisadores em todos os cantos do mundo e no Brasil, já foi criado até o Movimento Nacional pelo Desemprego Zero, cujo membro fundador Daniel Negreiros Conceição discursou sobre a tese na revista Desafios de julho/08 produzida pelo IPEA. No IBIT – Instituto Brasileiro de Inteligência Tecnológica, o assunto foi introduzido à discussão e ganhou novos horizontes os quais inspiraram esta matéria.

O plano

Longe de querer ser um programa assistencialista eleitoreiro, mas naturalmente sendo, o conceito explorado por Minsky é antes de tudo um plano econômico brilhante. A idéia central é o Estado empregar a todos que quisessem trabalhar. Por isso, os novos empregados ganhariam seus salários e os benefícios anexados ao pacote. A injeção de renda, a exemplo do que acontece com a bolsa família dado a 11,1 milhões de famílias (45,8 milhões de pessoas) que vivem abaixo da linha da pobreza no Brasil, aqueceria a economia, estimularia a produção e por conseqüência acabaria gerando emprego no setor privado. Curiosamente, é exatamente o que temos visto no Brasil após a aplicação dos programas assistencialistas de Lula. A indústria brasileira emprega como nunca, a produção bate contínuos recordes e as classes C e D aparecem como as mais cobiçadas pelo mercado empresarial em geral. Inclusive, para executivos que dirigem marcas classificadas como específicas da elite brasileira, especialmente as ligadas à "holding Unilever" e aos produtos Nestlé, o crescimento no Brasil deve considerar de maneira relevante a abrangência e o poder de compra das classes mais baixas. Para Minsky, a aplicação de seu programa seria anticíclica, ou seja, seria instaurada a partir de um momento de crise, como o que está ocorrendo hoje no mundo. Porém, a tecnologia empírica de Lula revela que a metodologia de Minsky tem tudo para ser um compromisso afixado nas entranhas da economia brasileira e a ação transformada num ícone administrativo mundial.

A execução

Casar o Brasil, um país colecionador de pessoas sem recursos técnicos para exercer uma função profissional e, ao mesmo tempo, que as direciona à infinita fila de desempregados, com o Brasil possuidor de uma imensa malha de instituições fomentadoras do ensino profissionalizante, como o SESI, o SENAI, o SESC e o SEBRAE, Escolas Técnicas Profissionais, entre outros, é a essência do roteiro anteriormente desenhado por Minsky. É como combinar goiabada com queijo - a junção da teoria do emprego remunerado pelo Estado com a obrigatoriedade do exercício da profissionalização dos candidatos enquanto estivessem usufruindo do emprego oferecido. Ou seja, enquanto estivessem empregados teriam que estudar para ser tornarem profissionais em alguma coisa. As instituições do sistema "S" citadas recebem mensalmente uma considerável soma de recursos retirados dos impostos da sociedade produtiva do país exatamente para isso, condição que disponibiliza de imediato a estrutura necessária para a execução do programa. Em tempo, a formação de profissionais de qualidade para fomentar a demanda das indústrias brasileiras, um dos maiores problemas estruturais que hoje o país enfrenta, estaria sendo trabalhada de modo relevante para suprir as exigências do desenvolvimento. Como se vê, pode-se chamar a teoria de assistencialismo escancarado. Mas que ela funcionaria, não resta dúvida, nem social e nem econômica.

O público alvo do programa

Segundo a pesquisa Juventude e Políticas Sociais no Brasil, divulgada pelo IPEA em maio deste ano, o país apresentou a maior taxa do mundo (46,6%) de desemprego entre os jovens, reflexo direto da baixa qualidade do ensino brasileiro. A falta de qualificação na força de trabalho entre pessoas de 15 e 24 anos é hoje um dos principais impedimentos à contratação formal. Por isso, dar ao jovem a garantia do emprego aliada à formação profissionalizante é um dos principais objetivos do programa. Quando se trata da população negra, composta de negros e pardos, a taxa de desemprego alcança vergonhosos 55,3% sendo que, em se tratando de mulheres negras, o índice é maior ainda. Os dados são da pesquisa "Os Negros nos Mercados de Trabalhos Metropolitanos", divulgada no dia 17 de novembro de 2006 pelo Dieese. Em termos gerais, segundo o IBGE, as estimativas são para que em 2008 o país tenha pouco mais de 8% da população economicamente ativa na condição de desempregado. Mesmo sendo a menor taxa da história recente do Brasil é um contingente extremamente volumoso e em determinadas regiões como o Distrito Federal, por exemplo, chegou a alarmantes 20% de desempregados em 2007. O que significa 230.000 pessoas, especialmente jovens, sem qualquer destino profissional e com a necessidade de consumir o mínimo para a sobrevivência. Além disso, todo esse pacote anti-desemprego faria com que as pessoas que não optassem pela ocupação oferecida pelo Estado, fossem identificadas como desinteressadas e inúteis pela sua própria família e sociedade contextual. Ou seja, a lição em prol de um comportamento produtivo seria alcançada de um modo ou de outro, pela pressão social, ou pelas condições dadas pelo Estado.

Os resultados

Muitos podem dizer que os programas assistencialistas iniciados no governo de Fernando Henrique e super-dimensionados no governo Lula colaboraram muito para que o Brasil mantivesse taxas tão altas de desemprego porque desestimularia o trabalho. Porém, os números revelam outra coisa. Ano a ano a taxa, apesar de alta, vem baixando consideravelmente, o que desata a conexão entre o desemprego e o assistencialismo pelo ponto de vista puramente doador. O efeito do programa de Minsky sugere a multiplicação dos resultados alcançados pela política assistencialista de Lula por quatro. Para ser mais exato, cada família do programa "Fome Zero", o carro chefe do Presidente, recebe hoje até R$ 112,00 por mês totalizando cerca de 8,75 bilhões de reais/ano, numerário que equivale à injeção de recursos dentro da economia brasileira. O cálculo é simples, se para cada família direcionarmos apenas uma pessoa no programa de emprego oferecido pelo Estado, estaríamos elevando a renda da família em pelo menos quatro vezes levando o salário mínimo como base para a remuneração. Investir na erradicação da pobreza usando a criação do emprego obrigatório como instrumento para isso, desfrutar do lucro social através do desenvolvimento técnico profissional exigido do cidadão como contrapartida ao esforço do Estado em empregá-lo e proporcionar o aquecimento global da economia em dezenas de bilhões de reais, chega a assustar pela simplicidade da aplicação e a conseqüente superpotencialização da economia. A receita de Minsky está aí, Lula pode mandar fazer o bolo, e a população brasileira poderá viver o seu melhor momento na história consumindo as benesses de um plano mágico, realista e criado para o benefício de todos.

terça-feira, novembro 04, 2008

CAPITALISMO AMERICANO EM XEQUE É ALERTA PARA BRASILEIROS

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Por Eduardo Vergara Editor da revista Ciência, Cultura e Saúde em Primeira Página

Gestor Interino do Nagesp - Núcleo Acadêmico de Gestão Pública - vergara.nagesp@gmail.com

Presidente do IBIT - vergara@ibit.org.br

Wall Street, paraíso dos investimentos mundiais com sede em Nova York, EUA, passa pela maior crise econômica desde 1929, época na qual houve uma quebra generalizada das instituições financeiras, marcada por um imenso volume de suicídios de devedores sem solução. Hoje, diferente do passado, o estado está se movimentando de todas as maneiras para salvar o país de um colapso econômico de proporções ainda maiores. O capital disponibilizado pelo governo americano para salvar a credibilidade dos bancos e do país deverá superar 1 trilhão de dólares e o custo da emissão de todo esse dinheiro poucos economistas se atrevem a prever. O motivo de tudo isso se deu pelo excesso de crédito disponibilizado na praça, especialmente para a compra de imóveis cujas prestações não foram honradas por uma série de contingências, entre elas a alta do petróleo e o aumento do custo de vida, especialmente no que se refere à alimentação. Não é de hoje que o americano vem sofrendo, e até símbolos da exuberância daquele país, como as caminhonetes de alto luxo, estão sendo colocados de lado. Por aqui, essas mesmas caminhonetes que lá não conseguem ser vendidas por preços abaixo do equivalente a R$ 30.000,00 tomam as ruas das grandes cidades brasileiras sem muita cerimônia e com preços acima de R$ 80.000,00. O motivo da euforia brasileira é o crédito que entrou na veia da população como nunca se viu. Crédito aqui, como nos EUA, é o mesmo tipo de veículo para o consumo. E aqui, como lá, pagar a conta por usar o dinheiro dos outros, pode ser inviável no futuro. Para muitos brasileiros, essa já é uma realidade e pagar ao banco que um dia foi bonzinho e emprestou dinheiro com o juro mais alto do planeta já não faz parte da vida de muitos devedores. É exatamente o que acontece hoje nos EUA em uma escala gigantesca. E ninguém, nem mesmo as instituições financeiras mais ricas do mundo, pode pagar a conta do colossal rombo que os endividados americanos deixaram em seus credores. Por lá, o estado emite moeda a todo vapor para salvar não só o país, mas boa parte dos bancos do resto do planeta que também ficaram sem o dinheiro de seus devedores. Mas... E aqui, até que ponto estamos preparados para pagar as nossas contas?

Crédito, doce veneno

Talvez, para compreender o que muitos endividados estão passando hoje ao olhar o extrato bancário e verificar a enxurrada de dinheiro que escapa por entre os dedos em direção aos cofres do seu banco, em forma de juros pelo uso do cheque especial ou empréstimo pessoal, seja preciso voltar à época onde o capitalismo foi formatado por Weber, o protestante pai do sistema na sua forma mais ampla. Esse retorno nos tempos clareia a trajetória do capitalismo que foi sendo configurado por adaptação em diferentes vertentes, sendo ajustado de acordo com o país e a cultura social. Em alguns países, como a Finlândia e a Islândia, por exemplo, que usam o capitalismo como modelo econômico, o crédito não faz parte do dia-a-dia das pessoas que se consideram muito felizes e com muito dinheiro no bolso. Em outros, a presença constante do crédito reeditou o capitalismo e o transformou numa máquina de geração de devedores. A formatação de Weber, oficializada em 1913 na Inglaterra, apresentava a poupança entre os seus valores mais importantes, e a ferramenta de crédito, que é justamente o contrário disso, não foi sequer mencionada por ele. Assim, o capitalismo na sua essência tinha na ação de poupar um dos seus pilares mais nobres. O ajuste individualizado nos países que adotaram o sistema foi responsável pela mudança de suas características originais, e a adoção do crédito como fomentador do consumo acabou virando um dos maiores e ferozes inimigos sociais. O crédito como meio de sustentação financeira aos investimentos futuros para empresas em geral, como adiantamento particular para a condição de compra parcelada ou para resolver situações de emergência pessoal, traz a reboque uma forte cobrança, que pode chegar à perda dos bens adquiridos, à ameaça do nome sujo, à falta de crédito para o resto da vida e problemas de saúde e emocionais relacionados à auto-estima, entre outros. E é o conjunto desse indesejado retorno que faz justificar a palavra “selvagem” como o sobrenome do capitalismo.

Capitalismo selvagem

Não é só por ser implacável com o devedor que o capitalismo tem a fama animalesca. Além de não perdoar ninguém, nas entrelinhas de um contrato de crédito ou na comunicação subliminar de um comercial de televisão, é possível perceber a atuação inteligente de um mestre na arte de vender uma necessidade e de negociar a solução, principalmente quando tem um banco como porta-voz como é comum na maior parte dos cartões de crédito. Aquecido no fervor comercial, o capitalismo amadureceu e hoje é capaz de nos convencer que precisamos de um monte de coisas que na realidade não se justificam. Por acharmos que estamos precisando de algo que não estava nos planos, é necessário um dinheiro extra para bancá-lo. E aí, o capitalismo apresenta o crédito como a solução e acabamos por consumir todas as possibilidades que ele nos oferece, sem medir direito as conseqüências da cobrança que certamente virá.

Usar crédito é aceitar ser devedor

O afago na auto-estima proporcionado pelo momento em que gastamos o dinheiro que não temos, é substituído pela pressão do prazo para quitar uma dívida e, por menor que seja, nos deixa na condição de devedores. Por exemplo, as facilidades de pagamento oferecidas pelo cartão de crédito, os argumentos relativos às questões como segurança e os prêmios pela utilização do cartão, não nos tira da condição de devedores. Desconsiderar a praticidade do dinheiro de plástico não é o objetivo. Porém, lembrar que por trás da ferramenta existe, também, uma armadilha perspicaz para nos transformar em devedores, se faz necessário. As vertentes operacionais são tão sofisticadas que a versatilidade apresentada por alguns cartões vai além da compreensão do cidadão comum. Hoje, há a possibilidade de se pagar todas as contas do tipo luz, telefone e água e, também, a conta do próprio cartão de crédito usando outro cartão de crédito. É verdade! Com o Hipercard do Unibanco é possível pagar a conta do Visa do Banco do Brasil, do American Express do Bradesco e outros. E, com o American, é possível fazer a mesma coisa. Contudo, a tendência é que você caia numa armadilha muito difícil de sair. A facilidade de obter um dinheiro que não é seu para pagar outro dinheiro que não era seu e ainda ganhar tentadores prêmios como milhagens, por exemplo, pode transformar você num mega-devedor. Essa conta crescente transferida de um cartão para outro, meses após meses, irá se tornar impagável. Há a alternativa do pagamento mínimo nas faturas do cartão; porém, por esta via, o juro cobrado sobre o saldo devedor é ainda maior do que se fosse feito um acordo de parcelamento da dívida com a administradora.

Veículos, o sonho

Para muitos dos que estão vivendo problemas financeiros, o veículo comprado para a realização de um sonho transformou-se num pesadelo de grandes proporções. Boa parte das pessoas que devem ao banco credor não podem sequer devolver o veículo porque ele vale menos do que a dívida, exatamente o que está acontecendo com o americano com relação ao imóvel financiado. Um levantamento feito pela Anef - Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras mostra que o saldo do crédito para aquisição de veículos para pessoa física no primeiro bimestre de 2008 cresceu 44,9% em comparação ao mesmo período de 2007, passando de R$ 80,6 bilhões para os atuais R$ 116,8 bilhões. Esse montante equivale a 35,4% do total do crédito destinado às pessoas físicas pelo Sistema Financeiro Nacional e é referente ao total das carteiras de CDC - Crédito Direto ao Consumidor - e Leasing (Arrendamento Mercantil). Todo esse dinheiro no mercado, desde o aumento de prazo para o pagamento, proporcionou a criação de uma demanda inédita de consumidores que achavam que podiam sustentar um financiamento por até 84 longos meses. Muitos deles simplesmente estavam sonhando e utilizaram um dinheiro fácil que parecia não ter dono. Porém, com a descoberta de que a conta a pagar é uma realidade difícil de ser enfrentada, os valores em atraso só no primeiro bimestre de 2008, em comparação ao mesmo período de 2007, apresentaram um crescimento de 23,8%.

O valor do crédito disponível é o valor da dívida em potencial

As operações de crédito no Brasil totalizaram R$ 957,581 bilhões em fevereiro de 2008. Os valores levam em conta os recursos livres e direcionados, ou seja, aqueles como os empréstimos do BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, e o financiamento habitacional. O estoque de crédito cresceu 32,8% no acumulado de 12 meses, e o brasileiro continua gastando. No setor aéreo, os números divulgados pela Anac - Agência Nacional de Aviação Civil, mostram que os embarques nas viagens internacionais cresceram 36,9% de janeiro a agosto deste ano, em relação ao mesmo período do ano anterior. Apenas no mês de agosto, a alta foi de 26,9% em comparação ao mesmo mês de 2007. A maior parte do consumo do turismo internacional acontece via cartão de crédito e os números astronômicos mostram o quanto o brasileiro é capaz de contrair dívidas simplesmente por usufruir do crédito. O Banco Central estima que todo o crédito disponível no país deve superar 40% do PIB.

ENTENDA O DRAMA AMERICANO

No início dos anos 2000, os juros estavam baixos e grande parte dos americanos refinanciou os seus imóveis com a contrapartida do adiantamento à vista do valor pago até aquele momento. Eles usaram o dinheiro para pagar dívidas no cartão de crédito e para consumir. Os juros subiram, aumentaram a dívida e o devedor não conseguiu honrar seus compromissos. O preço do imóvel caiu e não cobre o financiamento feito. Os bancos não conseguem reaver o dinheiro emprestado e quebram.

De olho na falência do crédito americano

O Brasil deveria estar olhando de perto o comportamento da economia americana. Ela pode indicar um futuro sombrio diante de tanto crédito. Por lá, muitos bancos e financeiras estão quebrando ou sendo comprados pelo governo numa demonstração de que nem tudo são flores com crédito fácil. Já é uma realidade uma espécie de buraco negro na economia que está sugando as instituições que pouco tempo atrás distribuíam crédito imobiliário à vontade. Evitar a falência da Fannie Mae e da Freddie Mac, as duas maiores empresas norte-americanas de crédito à habitação, e da AIG seguradora, foi o sinal mais que amarelo emitido pela rica economia americana. As três empresas corriam o risco de falência por falta de liquidez para fazer face aos seus compromissos, num processo semelhante ao que aconteceu com a Bear Sterns, outro agente financeiro, em Março de 2008. A declaração do homem forte do tesouro americano mostra, em poucas palavras, a preocupação com que o governo está tratando o assunto e o nível de fragilidade que a economia vive o atual momento - "A Fannie Mae e a Freddi Mac têm um papel central no sistema de financiamento do imobiliário americano e precisam continuar a desempenhar esse papel", explicou em nota o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson. As duas empresas possuem ou garantem 520 bilhões de dólares em créditos hipotecários, ou seja, mais de 40% do crédito imobiliário dos Estados Unidos. E, para assegurar a sobrevivência das duas companhias, a Reserva Federal Americana admite adquirir temporariamente as suas ações, um inusitado recurso em se tratando de EUA. Já para o Lehman Brothers, o quarto maior banco dos Estados Unidos com 158 anos de existência, não houve solução. A instituição entrou em processo de falência, ao mesmo tempo em que a estrutura financeira americana anunciou ao mundo rachaduras que vão demorar muito tempo para serem sanadas. Quando o feitiço do crédito se volta contra o feiticeiro, a dificuldade está em arrumar um mágico com poderes ainda maiores para resolver o estrago. Essa situação é a mesma quando um simples mortal não consegue honrar as suas dívidas, isto é, ou ele encontra um credor maior, ou simplesmente “quebra” e deixa de existir como um consumidor “limpo” na praça.

Os ensinamentos

Warren Edward Buffet, um americano de 78 anos, do estado de Nebraska nos EUA, presidente da empresa textil Berkshire Hathaway e dono de uma fortuna estimada em 62 bilhões de dólares, revelou em uma recente entrevista à rede CNBC como conseguiu alcançar tamanha riqueza. O primeiro ponto é o relativo ao trabalho. Com apenas 11 anos comprou as suas primeiras ações na bolsa e lamenta ter começado tarde (aqui no Brasil o pai dele poderia ir preso por incentivo ao trabalho infantil). Reinvestiu seus lucros na diversificação de negócios e com as economias alcançadas com a entrega de jornais comprou uma fazenda aos 14 anos. Em Omaha, há 50 anos, comprou a casa modesta de três quartos, onde mora até hoje, e que não tem muros ou cercas. Apesar de ser proprietário da maior companhia aérea do mundo, não tem jato particular e não mantém em suas costas seguranças ou motoristas. Ele dirige o seu próprio carro, assim como é ele quem faz a pipoca que o acompanha quando assiste à televisão, um de seus passatempos preferidos. Não faz reuniões com seus executivos, com apenas uma carta aos diretores de suas 63 companhias, ele distribui as metas anuais que devem ser atingidas. Não usa telefone celular ou computador, mas foi capaz de doar 31 bilhões de dólares, o equivalente a metade de sua fortuna, para instituições de caridade. Para Bill Gates, da Microsoft, um dos homens mais ricos do mundo, Warren é considerado um guru e a simplicidade com que conduz a vida é o motivo. O que ele nos diz com a sua humildade é:

- Fique longe de cartões de crédito, financiamentos ou empréstimos bancários. Invista o seu dinheiro em você mesmo;

- O dinheiro não cria o homem. O homem é quem cria o dinheiro;

- Viva a sua vida da maneira mais simples possível;

- Não se apegue às marcas famosas. Use apenas aquelas coisas em que você se sinta confortável;

- Não desperdice o seu dinheiro em coisas desnecessárias. Ao invés disso, gaste nas coisas que realmente precisa;

- Afinal de contas, a vida é sua! Então, por que permitir que os outros estabeleçam leis em sua vida?

- As pessoas mais felizes não têm, necessariamente, as melhores coisas. Elas simplesmente

apreciam o que tem.



Nas entrelinhas do pensamento de Warren é possível perceber latente a força para o trabalho desde cedo, a sua capacidade de abrir mão de rótulos sociais e do exercício do poder autocrático, a humildade na conduta como pessoa e como empresário, e uma generosidade para com o próximo fora do comum. Atingir a nobreza de controlar os seus recursos sem dever nada a ninguém em um mundo que vende crédito o tempo todo com palavras agradáveis em nossos ouvidos pode parecer difícil, mas não é. Contudo, doar recursos pessoais na proporção que fez Warrem, nos mostra um estágio de consciência muito longe do que a vã compreensão da grande maioria pode levar. O entendimento de Warren sobre o trabalho, a riqueza e o homem, numa bolha de simplicidade raramente vista, pode ser de grande valia para mudar o jeito de ver e tocar a vida, e trazer para perto a tranquilidade e a felicidade que tanto buscamos.