O que desaba nas profundezas de um imenso bolso vazio é o crédito lastreado numa solidez e sustentação que nunca existiu. Toda a cadeia de produção e de comercialização interligada mundialmente sofre dos mesmos males: a evaporação de um dinheiro alimentado pela fantasia monetária das instituições financeiras e a falta de reserva individual de dinheiro de verdade - aquele que um bom poupador tradicional costuma guardar embaixo do colchão. A crise é o momento onde a reserva financeira é o único dispositivo capaz de dar segurança às pessoas, às famílias, às empresas, às cidades e ao país, para passar a turbulência e a incerteza nas quais, no momento, o planeta todo está vivendo. Temos que tirar o chapéu para a reserva de Lula, tantas vezes contestada e que agora, diante de um mundo sem o dinheiro lastreado em cofres fantasmas, mostra o seu valor.
Viciados no consumo
Os americanos das últimas décadas, em termos gerais, nasceram viciados no uso do dinheiro dos outros para consumir num ambiente onde tudo é crédito e nada vem de uma reserva pessoal. Como educá-los a não hipotecar as casas onde moram? Como mudar o perfil das pessoas que usam crédito desde o dia que nasceram e que agora precisam aprender a poupar? No Brasil, especialmente nas grandes capitais, na era pós-inflação, fomos tomados pela condição de inúmeras parcelas para consumir ilusoriamente sem juros. Isso é, nos ensinaram a gastar o dinheiro de quem poupou para encurtar o tempo de realização das nossas vontades quase sempre desnecessárias. Há um vírus de consumo por meio do crédito latente na veia da grande maioria dos consumidores brasileiros e que será muito difícil vencê-lo. Mesmo com os excelentes argumentos quanto ao pagamento dos juros reais mais altos do planeta e o exemplo da tsunami financeira nos EUA, muita gente ainda acha que vale à pena seguir com o consumo, muitas vezes inútil, utilizando recursos do bolso dos outros sem se preocupar com o alto custo disso.
Saturação mental
O fomento para a utilização do crédito é diário. Os anúncios das grandes lojas dão verdadeiros choques promocionais na mente dos possíveis consumidores, animando-os com as possibilidades de compras parceladas e depois da operação, os jogam no enorme contingente de devedores. Sim, qualquer operação com o cartão de crédito transforma imediatamente o cidadão em um devedor. As classes C e D, antes mais pobres, mas agora com cartões de crédito no bolso, encontraram a sensação de respeito público quando conquistaram limites financeiros próprios para a compra de uma infinidade de eletrodomésticos e outras coisinhas. É comum encontrar barracos em regiões carentes com muita tecnologia dentro e um carnê interminável sobre a cômoda. Mas, também, é comum encontrar pessoas de bem com a auto-estima estraçalhada por não terem condições de honrarem os compromissos financeiros assumidos num contexto, antes, animador.
Simplicidade oriental
Há algum tempo, em uma reportagem, pude acompanhar um chinês em Xangai comprando um carro de luxo 0 km na concessionária. Para pagar, ele tirou vários maços de dinheiro de dentro de uma sacola de feira e realizou o negócio. Aquilo foi chocante! Nunca vi algo parecido por aqui. Uma cena que por lá me foi mostrado como a coisa mais normal do mundo. Isso revela uma configuração social onde crédito e poupança são fontes para o consumo regido por uma ordem cultural. No Brasil, compramos carros com carnês cheios de boletos que mais parecem livros de tão gordos. Na China, até mesmo os consumidores mais simples, recorrem ao dinheiro vivo da sua reserva de recursos próprios para adquirirem bens de alto valor.
O cair da ficha
Compreender que não precisamos do dinheiro de terceiros para viver é o primeiro passo para reconduzir as pessoas para uma vida sem tantas amarguras provenientes de dívidas cada vez mais difíceis de pagar. O segundo, é mostrar que nem tudo que desejamos é necessário para a nossa felicidade, e que um colchão financeiro nos deixa com uma paz de espírito muito mais duradoura do que qualquer TV de 42 polegadas. O terceiro, é esclarecer que é muito melhor conduzir a vida tendo recursos para definir os seus próprios caminhos do que ser obrigado a fazer o que não quer para pagar os caprichos do passado.
terça-feira, fevereiro 17, 2009
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