Uma luz no fim do túnel
A presença da arbitrariedade, da força, do preconceito, da injustiça e da desigualdade social foi uma constante marcante na história do planeta. Mesmo em países desenvolvidos, especialmente os EUA, referência mundial social e econômica, nos últimos 100 anos, foram registrados desequilíbrios extravagantes como o racismo declarado e as guerras desproporcionais aos motivos e objetivos nelas contidos. Após a vitória de Obama, o mundo ganhou uma nova configuração de poder. Espalhado pelo planeta, na esteira de possibilidades que a eleição do presidente dos EUA criou, existe um batalhão de negros competentes, admirados, formados pelas melhores instituições do mundo e preocupados em melhorar cada centímetro de onde suas mãos possam alcançar.
Barack Hussein Obama
Em 2009 estaremos escrevendo o salto dos segregados e oprimidos ao poder na história do mundo. Para alguns poucos, o novo presidente americano não passa de uma cabeça de fósforo que irá se apagar rapidamente. Já para a grande maioria é um poço de es-perança de dias melhores. Para uns raros, Obama representa uma real quebra no sistema de comando do planeta, numa configuração onde a raça de maior alvo de injustiças sociais inverteu o poder e agora manda em tudo como nunca havia acontecido antes.
O que temos a aprender com ele
O que o novo presidente tem de mais valoroso a nos mostrar, além de uma admirável determinação pelos estudos e o trabalho, é a sua metodologia de desenvolvimento humano. Tudo o que ele é, tem a base fortalecedora nos relacionamentos com as pessoas. Não se trata apenas de políticos, mas, singularmente, do envolvimento pessoal com a população mais pobre e desprotegida. Engajado em projetos sociais há décadas, Obama sempre dedicou tempo e esforço para ajudar comunidades por todas as regiões na qual viveu e essa postura pôde conduzi-lo ao entendimento sobre o sentimento humano e as suas carências afetivas e materiais. Os olhos das pessoas que o conheceram de perto no restaurante ou no barbeiro brilham com uma intensidade sem igual. Eles conhecem a pessoa que está assumindo o poder e sabem como essa figura humana sente e pensa. O boca a boca, não é de hoje, foi capaz de encher estádios e fazer borbulhar cidades por todas as direções da América. Carismático, fez com que suas palavras ecoassem aos mais sombrios ouvidos: “sim, nós podemos”. As lágrimas comoventes e honestas de pessoas simples, brancas e negras, presentes nos comícios de Obama davam sinais a todos de que algo diferente estaria para acontecer, um momento onde o mundo viveria a sua maior transformação social e política de todos os tempos. Já perto das eleições, ainda se ouvia dizer por meio de pessoas importantes, em tom profético, que o povo americano jamais daria o poder a um negro, uma situação que não combinava com a história daquele país. Como todos já deveriam saber, o povo mudou e o poder também. Barack Hussein Obama é a representação máxima dessa significativa transformação.
Sem dimensão
Na periferia, aos arredores da ostentosa riqueza de Brasília, Sônia, negra, catadora e recicladora de lixo, é líder de uma comunidade que conta com cerca de 3.500 pessoas, todas sem recursos e que tem os olhos voltados para aquilo que os ricos descartam. Ela é o pivô de sustentação desse grupo e usa o envolvimento pessoal e a cumplicidade para manter de pé uma união que nasceu há 10 anos. Ao conversar com Sônia, é fácil reparar que está sempre se referindo ao todo. A sua prioridade e atenção está sempre voltada ao grupo, à sociedade pela qual defende, exatamente o que Obama transpira em suas ações. Envolta das duas celebridades, cada uma em sua dimensão, a aura social, de visão para o todo e do esforço pessoal que prioriza a evolução e o bem estar comunitário, é notória e desconcertante. O bem-querer é desconcertante. Ao convocar toda a família para os trabalhos sociais e assegurar atenção aos países mais pobres do globo, Obama compartilha os nobres desejos de um mundo melhor com os mais sonhadores e acena para que eles acreditem nisso. A sua eleição é a prova de que ele está certo e Sônia já sabe disso.
Sim, nós podemos
Por todos os lados, a luz intensa, advinda de negros das mais diferentes habilidades, desponta e surpreende como se ali nunca houvesse existido nada que pudesse chamar tanta atenção. Na ignorância de lideranças jurássicas sempre residiu a incredulidade e a resistência às necessárias mudanças que as pessoas, cidades e países precisam passar para se desenvolverem. E a qualidade das relações entre as pessoas é a célula alimentadora para a promoção dessas mudanças. É importante saber dizer “não”, mas é preciso cuidado ao expressá-la. A palavra “não” é a ferramenta mais usada para interromper a liberdade de prosseguir em uma ação, um projeto, ou uma direção. Ela é tão forte que por mais que um cientista, um professor ou um político acredite que dá para fazer diferente, na grande maioria das vezes a sinalização negativa é o último suspiro dado por quem detém o poder. Obama, porém, disse “sim, nós podemos”- o sonho de consumo das mentes brilhantes e transformadoras do mundo que não temem o risco para que possam efetivamente transformar. Sim, nós podemos, deve ser gravado e repetido todos os dias aqui e no resto do mundo por pais, empresários, professores, administradores, cientistas e políticos, para que realmente possamos sair da condição tacanha e pobre de espírito que já nos acostumamos a viver, sem considerar o próximo, os seus traços fortes e a configuração social na qual foi inserido muitas vezes contra a sua vontade.
Barbárie, reflexão e mudança
O modelo com que construímos nossas relações familiares e sociais é aquele que poderá servir a consciência de todos nós sobre o tipo de sociedade que somos hoje. No âmbito geral, nosso semblante é de egoísmo, onde a palavra curta e grossa, não educada, se faz acontecer por uma necessidade de condução velada ou descarada mesmo. A arrogância e o exclusivismo são latentes e exibíveis a todo instante, seja num restaurante, num shopping ou nos sinaleiros. Muitos de nós, não podem nem perguntar o que aconteceu com a decadência dos valores morais, pois entendem a priorização do ego como um processo natural, simplesmente por terem nascido dentro de sociedades que só conseguem exibir um quadro individualista, triste na alma e afastado das coisas simples como a gentileza e o afeto. São modelos que direcionam a todo instante, orientando de acordo com os interesses de poucos, nas escalas familiares e sociais, como devemos ser e agir. A julgar pelos resultados obtidos até agora, essa condução se mostra extremamente equivocada. Os americanos, pela profunda mudança que estabeleceram, parecem estar convencidos disso. Mas países como o Brasil terão que rever profundamente o padrão de relacionamento e desenvolvimento que querem instaurar. Estarmos próximos da barbárie, onde a sociedade sofre de todos os males físicos e espirituais em coro, é motivo para uma grande reflexão. A eleição de Obama é um presente para o mundo, independente do que ele vier a realizar. O importante, hoje, é o que ela significa. Mostrar que é possível mudar radicalmente foi a dádiva do século e, por isso, é hora de agradecer e reverenciar a coragem e audácia americana. Por aqui, nos resta prestar bastante atenção no que está acontecendo e aprender.
Na esteira da valorização do negro, com desenvolvimento paralelo ao atual presidente americano, o inglês David Lamy, ao lado de Obama na foto acima, é uma dessas figuras espetaculares. Basta dizer que aos 28 anos de idade foi eleito para o parlamento britânico com o título de o mais novo político da casa. Serviu ao país em diversas pastas nos gabinetes do governo de Tony Blair e Gordow Brown, como subsecretário de saúde e Ministro de Assuntos Constitucionais, de Cultura e do recém criado Ministério das Habilidades, que engloba Inovação e Universidades. Com histórico esquerdista, de família humilde da cidade operária de Tottenham, integrante do Partido Trabalhista do Reino Unido, encapsulado pelo corporativismo entre nações e a bandeira de Tony Blair, surpreendeu como ativista da educação por natureza e convicção. Trabalha muito para difundir o estudo acadêmico e o técnico profissionalizante em sindicatos e em cooperativas em geral - especialmente de ex-presidiários - na busca de um maior equilíbrio entre o ensino formal e o vocacional - aquele que conhecemos como autodidata.
Vocação e habilidade
O pensamento de Lammy se torna relevante nesse incontestável momento de transformação porque suas ações são pautadas também pela simplicidade, voltadas para a formação técnica de adultos em modo contínuo, identificando em cada um a sua base vocacional, em apoio às habilidades práticas e simples como o serviço de encanador, eletricista ou trabalhador de fábrica. Segundo Lammy, há um desequilíbrio entre a formação para a praticidade do dia-a-dia e a formação de executivos e doutores acadêmicos. A idéia central dele é desenvolver mecanismos que possam garantir o desenvolvimento profissional com progressão hierárquica àqueles que estejam com a chamada mão na massa, criando o valor justo para remunerar esses serviços essenciais. Para que isso seja possível, ele sugere o ensino perpétuo, o que elevaria muito o grau de entendimento do profissional sobre aquilo que ele está trabalhando e também o capacitaria para abrir as portas de novas empreitadas, inclusive em outras áreas. Lammy considera que a economia moderna é essencialmente mutante e é por isso que o trabalhador deve se manter preparado para criar interfaces apropriadas para enfrentar as mudanças e estar pronto para encarar essa condição, não como um entrave profissional, mas sim como uma oportunidade de desenvolvimento. Em entrevista à Revista Desafios, ele disse: “eu era um advogado antes de ser político, mas não acho que o mundo precise de mais advogados, nem contadores. Veja, por exemplo, o desafio das mudanças climáticas. Quem solucionará esse problema não serão os advogados, mas engenheiros e cientistas”. Ele fundamenta tudo o que diz com a própria variante profissional e com as necessidades reais do mundo moderno. Além da flexibilidade e da adaptabilidade, Lammy levanta, ainda, a questão da importância de saber falar várias línguas, já que a tendência é o emprego não ter mais fronteiras. Todo o seu trabalho é no sentido de otimizar e encurtar ao máximo o tempo da formação técnica britânica, para o que ele apresenta como o novo desafio do mundo, a corrida das habilidades do século XXI em substituição à corrida armamentista do século XX, esclarecendo sobre o que vai ser realmente importante daqui para frente. Algumas propriedades são fundamentais para a fluência das habilidades. Nas entrelinhas desse movimento diplomático está a capacidade de se relacionar, de se comportar humildemente, a prática de atitudes equilibradas e se utilizar do máximo de respeito nas relações humanas. O brilhantismo de Lammy está em falar isso em alto e em bom som para os britânicos e para o mundo, revelando a nova era onde arte de ser hábil com a mente, as mãos e as palavras será a grande fonte de riqueza das nações. Que o diga Barack Obama.
Paralelo das Américas
A mudança radical no comando de uma nação não foi um desejo exclusivo do povo americano. No Brasil, essa manifestação foi evidenciada na eleição do trabalhador pernambucano Lula. Da mesma forma que o negro americano, hoje no comando da Casa Branca, sofreu e ainda sofre com o preconceito e a desvalorização social, o trabalhador brasileiro, especialmente o nordestino, que ainda alimenta as fábricas do sudeste com mão-de-obra barata e em muitos casos escrava, foi a carta da manga do cidadão comum para mudar os rumos do Brasil na sua história política, social e econômica. Independente da qualidade do comando que Lula ou Obama exerçam, o que deve ser ressaltado historicamente é o desejo da mudança e a força soberana que os povos tiveram para conduzir os dois ao poder. Os discursos dessas duas lideranças sempre foram em prol da camada mais pobre da sociedade e apaixonadamente pela nação em si. Os olhares emocionados e as expressões reflexivas e verdadeiras em ambas as posses representaram a esperança pública e notória dos seus cidadãos americanos e brasileiros em viver dias melhores. O fato de as palavras dos presidentes se manterem firmes e orientadoras dá a segurança e credibilidade tão necessárias para a efetivação de um governo de qualidade e realmente próspero. E o apoio do povo se mantém incondicional e dá respaldo político para enfrentar as adversidades sempre presentes nas empreitadas pelos representantes das elites. Durante os dois mandatos de Lula, o Presidente conseguiu manter o foco em duas plataformas básicas para o desenvolvimento do Brasil: um exemplar controle de caixa e fluxo financeiro, e a criação de mecanismos de apoio financeiro e social às famílias mais carentes, especialmente do nordeste do Brasil. As ações para recuperar a economia e resgatar a auto-estima americana podem estar próximas da receita nordestina de Lula e Obama já deu sinais que irá servir ao mundo um prato parecido. O que deve ser ressaltado é a simplicidade exposta nas palavras de ambos sobre o que será feito. A grande maioria entende, quer e assina em baixo. Os índices de popularidade dos dois líderes corroboram isso. Há, é verdade, algumas diferenças entre os dois, mas não com relevância suficiente para sobressair à espiritualidade, humildade e simplicidade com que ambos se apresentam às suas nações e ao mundo. Chama atenção o diferencial da pauta da ética como o primeiro norte de Obama e são de grande dignidade as suas ações explicitas para que essa base moral se torne a máxima do estado americano. Contudo, mesmo que ainda não possa ser vislumbrada no Brasil com tanto vigor e determinação, há em Lula a força para energizar o país com essa prerrogativa. O momento é de glória mundial onde as mudanças serão feitas com o aval de todo o planeta. O momento é de reflexão para perceber que o desejo de mudanças não está só nas questões administrativas e operacionais. O momento é de conscientização sobre a necessidade de ter outro tipo de relação com o próximo, com a cidade, com as lideranças e com o mundo, onde possamos ser orientados pela ética, verdade, simplicidade, solidariedade, poupança e preservação. Não será fácil. Mas, pelo menos, já sabemos por onde ir.
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