segunda-feira, setembro 25, 2006

Autocorrupção - capa da edição nº16




DEFINIÇÃO
tudo o que corrompe a anatomia da realidade dos fatos relativos a si ou a um grupo, em prol de uma vantagem pessoal, seja moral ou material, gerando uma fachada mentirosa para a verdade.

O assunto pode parecer uma novidade, mas na verdade, não é. Desde antes de Cristo, a filosofia vem estudando profundamente a intimidade da mente humana no que se refere a valores nobres como a ética, honestidade, justiça e lealdade. Não há corrupção sem antes haver um processo de autocorrupção. A permissão para mentir, prostituir, enganar, caluniar, trair, fraudar, burlar, entre uma série de predicados ingratos, é dada, primeiro, pela pessoa envolvida pelo medo, baixa auto-estima ou atrás de um status social e de poder. A grande maioria da sociedade se encontra em um processo de obtenção de um relativo bem estar a qualquer custo. Mesmo que isso signifique anexar ao histórico pessoal adjetivos que qualquer um detestaria carregar abertamente, a compra e venda da moral alheia rola solta e é objeto de barganha, inclusive, dentro das famílias. Na esfera pessoal, renegar a própria realidade parece ser a mais grave e complexa das autocorrupções. A atitude pode comprometer a evolução da pessoa porque estaria construindo a própria vida sobre uma base que não corresponde à realidade, vivendo uma espécie de teatro. Se nos basearmos no entendimento de que nosso pensamento traduz o que realmente somos, avaliando os malabarismos que fazemos para encobrir essas verdades, poderemos ter uma noção do nível da nossa autocorrupção. Ao expressar opiniões que não condizem com o nosso pensamento original, omitir posicionamentos, vestir de acordo com o gosto de acordo com o gosto de outra pessoa, comer algo que detesta numa mesa de negócios, fingir um status, abrimos mão de viver o que somos para cumprir o que a pauta social está determinando e, consequentemente, passamos a viver algo fora do nosso contexto pessoal.




Por que mentimos tanto?

Comprar a nós mesmos e às pessoas com argumentos falsos parece ser o caminho mais curto para a obtenção de algum ganho. Sendo a mentira uma fantasia, ela pode receber adereços a qualquer momento, tornando-a forte o suficiente para seduzir. É comum pegar pessoas de todos os níveis sociais recorrendo à mentira e a utilizando, até com certa maestria. De resultados imediatos, a mentira altera a percepção da realidade em favor de alguém, mas, quase sempre, em prejuízo de outra(s) pessoa(s). Quem a usa, fica viciado. Está sempre com o recurso na manga como ferramenta básica para a manutenção de ganhos pessoais ou para explicar situações onde a sua auto-estima é colocada em cheque. Quando identificado (o meno hábel), o mentiroso é rotulado com o sobrenome (mentiroso) e vira alvo de críticas, às vezes bem humoradas, outras de depreciação, carregando por anos esse predicado. Os bobos, sem saber, pensam que conseguem enganar a todos, e suas investidas para seduzir as pessoas acabam em frustrações pouco tempo depois. Eles não entendem que a grande maioria é “expert” nesse assunto e é capaz de identificar as mentirinhas já no decorrer das primeiras frases. Já os políticos são incrivelmente bem treinados e o julgamento social passa a ser favorável a quem mente melhor, mas não à verdade. Alguns são tão bons nisso que acabam acreditando na própria mentira, sem saber ao certo, o que realmente é a verdade. O menos informado é o que mais cai nas armadilhas do convencimento pelas palavras falsas. Sem conhecimento, qualquer alteração no volume da voz, ou batida de mão na mesa pelo mentiroso pode convencê-lo facilmente. A mentira é uma das faces mais cristalinas da autocorrupção e mostra o nível de fragilidade de uma pessoa que, quanto mais usa o recurso, mais depende dele para sustentar a sua fértil imaginação, protetora de uma personalidade desagradável a ela mesma. Ao contrário, o nível de autenticidade, pode revelar a capacidade de enfrentamento de uma pessoa, assim, os fortes costumam abdicar da covardia e trazer à tona a verdade sem pestanejar.



INVERSÃO DE VALORES

Por que estamos na contramão da ética, da verdade e da lealdade, formatadas como princípios básicos para o desenvolvimento há mais de 400 a.C.?

Três filósofos gregos, que viveram entre 470 e 320 a.C., podem ser considerados os homens que mais avançaram nos conceitos de justiça, ética e verdade, entre uma série de valores que, de lá para cá, foram, aos poucos, sendo jogados para escanteio e deixando de fazer parte do nosso cotidiano. Sócrates - fundador da filosofia moral, estabeleceu o método de tentar chegar à verdade através de questionamento persistente, Platão - que dizia que a palavra precisa concordar com o fato, e Aristóteles - que mapeou, pela primeira vez, a lógica, a física, a ciência política, a economia, a psicologia, a metafísica, a meteorologia, a retórica e a ética, viveram em seqüência, sendo um discípulo do outro, respectivamente. Os três deixaram os mais marcantes passos para a evolução na história humana. Moradores de Atenas, na Grécia, em vários pontos, fizeram referências sociais e políticas que, se fossem levadas em consideração, talvez estivéssemos no paraíso. Para Aristóteles, o verdadeiro propósito de um governo é permitir aos seus cidadãos viver a vida plena e feliz, viabilizando o desenvolvimento através do exercício das suas capacidades em compatibilidade com a vida em sociedade, sendo que o equilíbrio social, financeiro e político entre as pessoas é a chave para o bem estar de uma nação.

Valores que poderiam ajudar a sociedade

Em 2005, no Brasil, através das mídias eletrônicas de todo o país, todos os dias, estão sendo registrados, dos pequeninos detalhes mentirosos aos escândalos mais surpreendentes de corrupção, situações onde o desprezo e o desrespeito à integridade moral de uma sociedade, se transformaram em acontecimentos normais, aceitos comumente. A orientação filosófica para uma vida melhor pessoal e em conjunto, de mais de 2.400 anos, são honestidade, perseverança, respeito, lealdade, igualdade, amizade, caráter, compromisso e liberdade - referências, entre outras, que deveriam sustentar um grupo social.

Pisando na bola

Sendo o poder público, como já colocava Aristóteles, o principal elemento criador das leis e da fiscalização dessas leis, é também o principal vacilão. Fatos recentes sobre corrupção deixam frescas em nossas memórias dados sobre o nível de qualidade dos valores pessoais que sustentam personalidades de políticos, juízes, diretores de estatais, empresas privadas e até do presidente. Por exemplo, apoiar e deixar passar em branco as ações criminosas do MST é mostrar às nossas crianças que existe espaço para a invasão, roubo, degradação, agressão, tiros e ocupação indevida, entre outras coisas sérias, de igual teor, ou piores, sem que haja responsabilidade e punição para tais atos. Pelo contrário, há um apoio político ao movimento que tem boa parte de seu custo bancado pelo próprio governo. Colocar o boné da instituição e vestir a camisa do MST, para muitos e para as crianças, significa corroborar com a atitude dele. Ao mesmo tempo, ao se ir para um cinema com a família para assistir ao filme Guerra nas Estrelas, um pai se vê proibido pelo Juizado de menores de entrar com os filhos menores de 12 anos (depois, incoerente com os motivos que colocaram a censura 12, baixou para 10 anos) porque o filme estaria desqualificado para as idades das crianças. A surpresa fica por conta de que, há pouco tempo, no Jornal Nacional, havia um juiz matando uma pessoa num supermercado do Ceará. Isso revela uma incoerência no que parte da classe é, faz e sentencia (o ato de assassinar) numa rapidez tremenda (quando acha conveniente). No momento em que o episódio do assassinato foi lembrado pela criança, em contra posição à censura do filme, é que se percebe a seriedade do problema. Podemos justificar para nós mesmos que não se pode generalizar, mas a criança está criando referenciais. No passado, Star Wars era considerado diversão (como poderia ser hoje) e mostrava, de uma forma objetiva, como é importante o valor da lealdade, do compromisso, da responsabilidade e honestidade nas relações interpessoais. Hoje, não precisamos ir tão longe para mostrar a falta de tais valores. Vejamos, um veículo do Detran passa por uma comercial do Sudoeste, região nobre de Brasília, multando vários carros que estariam estacionados em local proibido. Mas, alguns, de uma revendedora de veículos, estacionados de modo totalmente irregular, inclusive em local destinado para carga e descarga, sequer são questionados pelas autoridades. Com a ciência do administrador da região, dos fiscais e de outras autoridades, no mesmo local, um lava jato irregular, instalado numa Kombi, também, irregular, poluidora do meio ambiente utilizando produtos extremamente corrosivos, sem registro de empregados que não têm carteira de motorista, cujo dono mora numa das partes mais nobres de Brasília e que possui liminar da justiça para funcionar, ocupa as vagas destinadas a clientes do comércio local que paga impostos colossais, incluindo os salários do juiz que concedeu a liminar e as mais diversas e criativas taxas públicas relativas à ocupação e à fiscalização. Mais incrível, ainda, é um empresário ser convencido, pelas consultas feitas com advogados, a desistir de registrar ocorrência de furto praticado por uma funcionária, sob o risco de ter que pagar uma indenização por danos morais à pobre coitada.

Igual, mas diferente

O direito, que para alguns é implacável, para outros não significa nada. Vejamos uma adolescente, que agora desconhece a própria raça, pergunta inocentemente: acho que sou branca, terei direito a 20% de vagas na universidade assim como as pessoas da raça negra? Passando pelas ruas de Brasília é possível notar que há uma enorme incoerência quanto aos limites de velocidade nas vias da cidade. Um exemplo é a velocidade máxima de 70km/h estipulada para as vias do Lago Sul, sendo que, no Lago Norte, que tem a mesma configuração urbana, o permitido é de 60km/h. Por que? Outra coisa é o cidadão vir a 60km/h e, no momento em que há a medição de velocidade, o permitido cai para 50km/h, sendo ele multado e condenado a pagar, à unanimidade, pela junta de recurso do Detran, órgão responsável pela análise da defesa do motorista apresentada contra a imposição da multa. Há uma operação “Lau Lau” aí (apelido antigo dado a ladrões que faziam suas incursões de modo sorrateiro e desapercebido), vez que o objetivo da fiscalização é fazer com que o condutor ande dentro do limite da via que é de 60km/h. E, quando se cobra dele uma multa por andar dentro do limite da via, fica evidente a segunda intenção. A revolta do motorista é transmitida, automaticamente, à família e aos filhos, que por sua vez, vão listando o que é considerado justo ou não pelas autoridades da sociedade. Hoje, para muitos, inclusive para profissionais da lei, o que é fora da lei é considerado uma coisa natural e perfeitamente aceitável. O caso do ex-governador Garotinho, que agora está elegível novamente no Rio e a feira do Paraguai (de sacoleiros importadores) na Capital Federal, onde muitos fiscais, policiais, juízes, promotores e outras autoridades fazem as suas comprinhas, ilustram bem isso. Autoridades, aliás, que determinam o quanto uma empresa deve ganhar estando ela inserida em uma economia de mercado promovida pelo próprio estado, indo na contramão da justiça. Aliás, em termos de promoção da justiça, o Brasil é hoje, o penúltimo no mundo no que se refere a distribuição de renda, na frente, apenas, de Serra Leoa. E, a cada dia que passa, a desejada justiça social está cada vez mais distante. A conversa de “João sem braço”, que é transmitida para explicar a maior taxa de juros do planeta, não consegue encobrir a realidade da divisão de renda num Brasil politicamente partidário da riqueza de poucos e da pobreza da grande maioria. Os “poucos”, que decidem a vida dos “muitos”, ganham, em média, 50 vezes mais (sem contar o mensalão) que a massa brasileira. Os fatos estão aí. Os números do Brasil estão em todas as instituições sociais que avaliam as nações como um todo e todos eles indicam o quanto estamos sendo incoerentes entre o que falamos e o que fazemos.

De Jefferson a Aristóteles

A prática de compensações na política brasileira é considerada “normal”. Quando a direção de um Ministério é “dada” a um político de outro partido, que tem outras convicções, o processo de compensações está concluído. Isso não se pode negar e nem defender, está na Esplanada dos Ministérios e todo mundo pode ver, se quiser. Independentemente do fato dos políticos concordarem ou não com os objetivos das ações ou da filosofia de outro partido, a barganha, a compra e a troca de favores falam mais alto na Presidência, nos Ministérios, no Congresso e nos Estados. A convicção de uma idéia em prol do desenvolvimento do País perde, de longe, para a conveniência de uma negociata entre políticos. Todos os dias essas compensações são notícias nos principais jornais brasileiros. Para o político que conhece os fundamentos do assunto Política, tratados por Sócrates, Platão e Aristóteles, pessoas em um congresso que não estejam defendendo interesses sociais com ética, honestidade e compromisso com o povo no qual elas representam, não podem exercer o papel de político. Segundo a origem e formatação política proposta por Artistóteles, o exercício político não poderia ser remunerado, mas sim doado através de trabalhos, cuja finalidade seria desenvolver meios de melhorar as condições de vida da comunidade. Assim, cargos com tamanha importância e seriedade só poderiam ser exercidos por pessoas que tivessem uma excelente condição financeira e comprovada competência, sendo este, um pilar representativo de toda uma sociedade. No Brasil, dirigir um Ministério ou uma estatal, não tem nada a ver com competência específica na área, mas, tão somente, com barganhas políticas entre partidos. A demora em dar uma resposta à sociedade sobre as denúncias de corrupção de deputados do PT e de outros partidos, a ciência de ministros e do próprio Presidente sobre o caso, uma revolta generalizada no congresso como se nenhum deputado soubesse de nada, o objetivo de cassação do mandato do denunciante e a conveniência de respostas programadas para ver se o povo aceita, são uma evidência de que não há coerência, ética e valores em toda a cadeia política. Há exceções como toda regra, mas são apenas exceções. A regra é outra. Rapidamente, como pouco se viu na história do Brasil, a classe inteira de políticos e deputados se uniu contra o denunciante.



Repensar o Poder Público e suas ações é atitude urgente

Ter um norte e nordeste com problemas eternos, os quais todos os brasileiros conhecem, sendo representados, já há muito tempo, por uma legião de conterrâneos no congresso nacional (maioria com 46% das cadeiras, sem contar os nordestinos eleitos pelas
regiões centro-oeste, sudeste, e sul) e ver a desigualdade social aumentar, a cada dia, revela o tamanho da incoerência política com o qual o assunto é tratado. Evidentemente, manter uma população de desinformados e necessitados é uma excelente estratégia política para assegurar pessoas de baixa qualidade no poder. Pela desinformação, é fácil convencê-las da honestidade e competência prometidas. Pela necessidade, é fácil comprá-las com algum calçado, roupa ou comida. E, pelo peso político que os representantes do Poder Público determinaram para a região, num notório desequilíbrio entre as regiões do Brasil, é fácil controlar todo o processo de estagnação dessa parte do país, num Congresso onde a maioria das cadeiras é ocupada por representantes desses Estados. Todas as vezes em que a inversão de valores fica clara no campo político, todos os envolvidos sempre negam as informações, depois voltam atrás, dizem que vão investigar e, mesmo que haja algum culpado, pouco ou nada acontece, vez que, ainda existe uma justiça que não faz a justiça. O ex-deputado Sérgio Naya, absolvido, que o diga. A pobreza moral é maior do que os níveis da pobreza populacional. Nunca se desmatou tanto no país que mostrou políticos do partido do Presidente recebendo dinheiro de madeireiros para liberar o desmanche ilegal da Amazônia. Não há no mundo, taxa de juros com tamanha envergadura. Nunca houve no Brasil um governo com uma variedade tão grande de partidos “aliados”. Por um grotesco inchaço da máquina pública, os impostos chegaram a níveis insuportáveis. Depois da democracia, nunca se falou tanto em calar a boca de pessoas e da imprensa. Cada palavra, cada choro, acaba por revelar uma incoerência entre o que se fala, se sente e, efetivamente, se faz. E a resposta para isso é simplesmente a falta da convivência com os valores de qualidade. Falta essa que é vivida por uma elevadíssima parte da população do país. Reconhecer e trabalhar para encontrar e conviver com honestidade, determinação, respeito, lealdade, igualdade, amizade, caráter, compromisso e liberdade, seria uma tarefa de absoluta prioridade para resgatar, pelo menos, as novas gerações dos podres e a falta de vergonha na cara que a falta desses valores gera.



Cuidados com a criação de cobras

Por todos os lados, a incoerência avança corroendo os valores das pessoas desde o princípio de suas vidas. E esse início é muito importante para a formação da sociedade. Aí está a preocupação de muitos estudiosos. No oriente médio, por exemplo, para uma criança que vive dentro dos conflitos religiosos da região, aos sete anos, como há 2.200 anos, é comum estar armado para enfrentar o inimigo e, para eles, essa é uma atitude perfeitamente normal porque houve uma corrupção séria nos valores sociais. As crianças, nos dias de hoje, vivem o momento mais inteligente que o mundo já experimentou. O volume de informação que elas recebem, diariamente, é 18 vezes maior a cada 2 anos e a internet é a maior responsável por esse volume. Mas inteligência sem valores pode criar o caos. Adolf Ritler era muito inteligente.


2006 – A amnésia latente

Depois de viver as mais constrangedoras situações políticas que poderíamos imaginar, nos preparamos para colocar no poder, numa flagrante condição de autocorrupção, aqueles que foram as estrelas de inesquecíveis momentos. Entre as mais reluzentes, Collor, Paulo Maluf e a imensa constelação que envolve o atual presidente Lula, que, por mais inocente que pareça ser, não tem como escapar da máxima: diga com quem andas e te direi quem és.

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